Antonio Goncalves Dias

Here you will find the Long Poem I-Juca Pirama of poet Antonio Goncalves Dias

I-Juca Pirama

I 

No meio das tabas de amenos verdores, 
Cercadas de troncos ? cobertos de flores, 
Alteiam-se os tetos d?altiva nação; 
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, 
Temíveis na guerra, que em densas coortes 
Assombram das matas a imensa extensão. 

São rudos, severos, sedentos de glória, 
Já prélios incitam, já cantam vitória, 
Já meigos atendem à voz do cantor: 
São todos Timbiras, guerreiros valentes! 
Seu nome lá voa na boca das gentes, 
Condão de prodígios, de glória e terror! 

As tribos vizinhas, sem forças, sem brio, 
As armas quebrando, lançando-as ao rio, 
O incenso aspiraram dos seus maracás: 
Medrosos das guerras que os fortes acendem, 
Custosos tributos ignavos lá rendem, 
Aos duros guerreiros sujeitos na paz. 

No centro da taba se estende um terreiro, 
Onde ora se aduna o concílio guerreiro 
Da tribo senhora, das tribos servis: 
Os velhos sentados praticam d?outrora, 
E os moços inquietos, que a festa enamora, 
Derramam-se em torno dum índio infeliz. 

Quem é? ? ninguém sabe: seu nome é ignoto, 
Sua tribo não diz: ? de um povo remoto 
Descende por certo ? dum povo gentil; 
Assim lá na Grécia ao escravo insulano 
Tornavam distinto do vil muçulmano 
As linhas corretas do nobre perfil. 

Por casos de guerra caiu prisioneiro 
Nas mãos dos Timbiras: ? no extenso terreiro 
Assola-se o teto, que o teve em prisão; 
Convidam-se as tribos dos seus arredores, 
Cuidosos se incumbem do vaso das cores, 
Dos vários aprestos da honrosa função. 

Acerva-se a lenha da vasta fogueira, 
Entesa-se a corda de embira ligeira, 
Adorna-se a maça com penas gentis: 
A custo, entre as vagas do povo da aldeia 
Caminha o Timbira, que a turba rodeia, 
Garboso nas plumas de vário matiz. 

Entanto as mulheres com leda trigança, 
Afeitas ao rito da bárbara usança, 
O índio já querem cativo acabar: 
A coma lhe cortam, os membros lhe tingem, 
Brilhante enduape no corpo lhe cingem, 
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar. 

II 

Em fundos vasos d?alvacenta argila ferve o cauim; 
Enchem-se as copas, o prazer começa, reina o festim. 
O prisioneiro, cuja morte anseiam, sentado está, 
O prisioneiro, que outro sol no ocaso jamais verá! 

A dura corda, que lhe enlaça o colo, mostra-lhe o fim 
Da vida escura, que será mais breve do que o festim! 
Contudo os olhos d?ignóbil pranto secos estão; 
Mudos os lábios não descerram queixas do coração. 

Mas um martírio, que encobrir não pode, em rugas faz 
A mentirosa placidez do rosto na fronte audaz! 
Que tens, guerreiro? Que temor te assalta no passo horrendo? 
Honra das tabas que nascer te viram, folga morrendo. 

Folga morrendo; porque além dos Andes revive o forte, 
Que soube ufano contrastar os medos da fria morte. 
Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva, lá murcha e pende: 
Somente ao tronco, que devassa os ares, o raio ofende! 

Que foi? Tupã mandou que ele caísse, como viveu; 
E o caçador que o avistou prostrado esmoreceu! 
Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes revive o forte, 
Que soube ufano contrastar os medos da fria morte. 

III 

Em larga roda de novéis guerreiros 
Ledo caminha o festival Timbira, 
A quem do sacrifício cabe as honras. 
Na fronte o canitar sacode em ondas, 
O enduape na cinta se embalança, 
Na destra mão sopesa a ivirapeme, 
Orgulhoso e pujante. ? Ao menor passo 

Colar d?alvo marfim, insígnia d?honra, 
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme, 
Como que por feitiço não sabido 
Encantadas ali as almas grandes 
Dos vencidos Tapuias, inda chorem 
Serem glória e brasão d'imigos feros. 

?Eis-me aqui, diz ao índio prisioneiro; 
?Pois que fraco, e sem tribo, e sem família, 
?As nossas matas devassaste ousado, 
?Morrerás morte vil da mão de um forte.? 

Vem a terreiro o mísero contrário; 
Do colo à cinta a muçurana desce: 
?Dize-nos quem és, teus feitos canta, 
?Ou se mais te apraz, defende-te.? Começa 
O índio, que ao redor derrama os olhos, 
Com triste voz que os ânimos comove. 

IV 

Meu canto de morte, 
Guerreiros, ouvi: 
Sou filho das selvas, 
Nas selvas cresci; 
Guerreiros, descendo 
Da tribo Tupi. 

Da tribo pujante, 
Que agora anda errante 
Por fado inconstante, 
Guerreiros, nasci; 
Sou bravo, sou forte, 
Sou filho do Norte; 
Meu canto de morte, 
Guerreiros, ouvi. 

Já vi cruas brigas, 
De tribos imigas, 
E as duras fadigas 
Da guerra provei; 
Nas ondas mendaces 
Senti pelas faces 
Os silvos fugaces 
Dos ventos que amei. 

Andei longes terras, 
Lidei cruas guerras, 
Vaguei pelas serras 
Dos vis Aimorés; 
Vi lutas de bravos, 
Vi fortes ? escravos! 
De estranhos ignavos 
Calcados aos pés. 

E os campos talados, 
E